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Os poderosos chefões do mercado de cartão de crédito

Fiquei impressionada por uma notícia da semana passada que passou meio despercebida: o senador Ataídes Oliveira, senador pelo PSDB de Tocantins, protocolou a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigação dos juros cobrados por operadoras de cartões de crédito.

Apesar de não ver nada de especial um Senador ter a consciência de que juros de 340% ao ano no cartão de crédito é absurdo, o que me impressionou foi a linguagem utilizada por ele ao mencionar que há evidências de “uma prática de oligopólio de crédito” no país, em que “o sistema financeiro faz o papel da agiotagem”.

Depois de 20 anos trabalhando no Brasil, morando aqui há 10, esta é a primeira vez que ouço um político brasileiro falar com tanta franqueza sobre o poder quase total dos bancos brasileiros, o que além de ser totalmente insustentável, na minha visão, é um dos fatores que mais atrasa o desenvolvimento do país. Como americana, eu fico pasma não só pelo tamanho e poder dos bancos, mas também com a sua ousadia. E nada, nada, me espanta mais do que o mercado de cartões de crédito.

Qualquer estrangeiro que vem ao Brasil fica um pouco confuso quando entra em uma loja e é indagado: “Quer parcelar?”. O parcelamento de compras na ponta de venda, ou seja, sem juros, é quase inexistente fora do Brasil, e quem compra com cartões estrangeiros nem pode aproveitar desta modalidade. Mas, as anomalias não param por aí. Mergulhando ainda mais na estrutura desta indústria, vemos que, ainda sem parcelar, os lojistas só recebem seus pagamentos 30 dias após a data das vendas. Para conhecimento de todos, o maior prazo de pagamentos de recebíveis de cartões de crédito no mundo, fora o Brasil, é um país africano que permite pagamentos com prazo de cinco dias … isso aí galera, 5 dias.

Como assim?! Ao perguntar diversas vezes aos executivos desta indústria, a resposta que tive foi que esta prática tem suas origens em antigos problemas logísticos, devido ao tempo que o vale refeição (que na época era de papel) e os cheques demoravam para chegar fisicamente nas matrizes dos bancos em São Paulo e blah, blah, blah… Tudo referente a tempos antes da existência de transferências eletrônicas, então whatever. Hoje em dia, a justificativa mudou. Agora, os emissores dizem que o prazo de pagamentos de 30 dias para o lojista acontece porque os usuários de cartões de crédito só realizam o pagamento de sua fatura uma vez por mês.

Como o mercado consegue permitir uma resposta dessa, eu não sei. Os usuários de cartões de crédito fazem uma compra hoje e pagam por esta compra daqui a 30 dias, quando recebem sua fatura. Estamos falando de um descasamento no prazo de pagamentos. Esta situação só requer o que se chama de “capital de giro” por parte dos emissores de cartão.

Capital de giro é uma necessidade universal de qualquer negócio, e não há motivo qualquer para que a indústria de cartões deva se isentar disso.

Os argumentos dos emissores são que, se fossem sujeitos a pagar pelo seu próprio capital de giro, precisariam repassar este custo aos usuários dos cartões, aumentando assim, o custo do crédito. Parece-me uma ameaça vazia. Primeiro, juros de 340% a.a. já são impagáveis, então o que importa mais uns 20% ou 30%? Segundo, este argumento ignora totalmente o fato de que os grandes bancos têm o menor custo de capital no mercado! Seu custo de capital não chega nem a 100% do CDI. Mas, no Brasil, este custo é repassado para os atores da economia menos capazes de arcar com o mesmo. Os lojistas, cujo custo de capital chega a 5% ao mês ou mais (!!!), são quem os pagam. É, não se engane; este custo é repassado para todos nós por meio de preços mais altos e falta de investimentos, e pior ainda, dificulta o desenvolvimento e ascensão dos pequenos negócios, que são os responsáveis pela geração de renda de 70% dos brasileiros empregados no setor privado!¹

Gostaria muito de poder parar por aqui, mas infelizmente, a história não acabou ainda. Se buscamos entender quem fornece este capital de giro para os lojistas, ou seja, quem faz as antecipações dos recebíveis de cartão de crédito, veremos que são as chamadas “adquirentes”, empresas que processam os pagamentos de cartões de crédito e débito, sendo a Cielo e Rede as maiores do Brasil. As adquirentes existem no mundo todo e ganham dinheiro através de duas principais fontes de receita:

  1. No aluguel (ou venda, em alguns casos mais restritos) das maquininhas.

  2. Na cobrança do “MDR” ou “Merchant Discount Rate” que é um percentual que incide sob o valor de todas as transações feitas com cartões. O valor da MDR depende do poder de barganha de cada empresa (sendo que quanto maior a empresa, menor a MDR). Geralmente a variação é entre 1,5% e 5% do valor total de vendas no crédito, e entre 0.8% e 3% no débito. Este valor é depois repartido entre o adquirente (Rede, Cielo, etc.), a bandeira (Visa, Master, Elo, etc.) e o emissor do cartão (tipicamente grandes bancos).

Só que, as adquirentes brasileiras têm uma linha de receita adicional nas suas demonstrações financeiras: a “receita de antecipações”. Para ter noção da expressividade desta receita, para a Cielo (empresa controlada pelo Bradesco e Banco do Brasil), ela representou 33% da sua receita operacional líquida ou R$2,4 bilhões. Nada mal, né?

Mas, esse negócio de antecipação deve ser bem arriscado, certo? Prover “crédito” para pequenas empresas é um mar de incerteza. Bom, vocês decidem. O pagador final destes recebíveis são os emissores de cartões de crédito. Vejam abaixo o ranking os maiores emissores ² do país:

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Ou seja, o risco final destes recebíveis é dos próprios bancos, donos das empresas adquirentes (para quem não sabe, a Rede pertence ao Itaú Unibanco). Isso mesmo: eles compram o risco deles mesmo! E o risco do lojista? Estes recebíveis são performados, ou seja, já são devidos aos lojistas, e sendo assim, não existe risco do lojista ficar inadimplente.

Quer comprar estes recebíveis?!?! O mercado também quer! E isso baixaria o seu custo devido à existência de vários compradores concorrendo para oferecer o melhor preço de compra à esses ativos. Mas, nem você nem o mercado podem. ☹ Por quê?? Porque estes recebíveis que pertencem aos lojistas e que são devidos pelos bancos emissores, são pagos pelas adquirentes. E o código civil especifica que recebíveis podem ser livremente transacionados no mercado por qualquer um, exceto se os contratos que geram estes recebíveis expressamente limitarem a sua venda. Adivinha? Isso aí… os contratos entre lojistas e adquirentes têm cláusulas dizendo que o lojista só pode vender seus próprios recebíveis com a expressa anuência do adquirente…. já imaginou a padaria da esquina ligando para o SAC da Cielo para pedir “anuência” na venda dos seus recebíveis de cartão de crédito?

Não sei se faz rir ou chorar….

Fonte: Margot Greenman CEO e Co-founder da Captalys

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